quinta-feira

UM DIÁRIO DE VIAGEM

Em 26 de abril de 1854 partimos de casa a bordo de um vapor do Mosel, onde reinava a mais perfeita ordem. Quando à noite, chegamos a Koblença, já nos esperava o agente que nos acolheu e tudo fez para nos instalar bem. Apenas os alojados no "Ao Urso Negro" tiveram mau sorte. Nós fomos ao "Cisne" onde nos instala­mos muito bem, e melhor ainda comemos.

Em lugar algum se cobrou algo mais por excesso de bagagem ou translado desta, que recebeu todo cuidado.

Na manhã seguinte chegou um Vapor do Reno, de quem recebe­mos bela confraria de religiosos, que se propunha a viajar para o Brasil em nosso navio, e mais, a celebrar nele os serviços religiosos. Pediram a nós que, por cantor e música, os apoiássemos. Entre eles estava também um professor, Peter Fischer, de Osan. Na viagem pelo Reno pude admirar, apesar do clima frio e chuvoso, as belas margens do rio, com a Rocha do Dragão, a curva de Rolando com as sete colinas. Ao meio dia chegamos a Colônia (Koln) onde o agente de imigração nos acompanhou e nos mandou servir do bom e do melhor. À tarde, apreciamos as atrações da cidade e a maravilhosa catedral.

Na manhã seguinte cada um de nós recebeu como provisão para a viagem um bom pão acompanhado de miúdos. Embarcamos as 7 horas no trem, onde vimos nascer o dia entre muitas fábricas e fundições. Logo que chegamos à fronteira belga, algumas caixas (da bagagem) foram abertas pela inspetoria aduaneira, a ver se nada havia de suspeito. Passamos então para carros belgas bem melhores e mais bonitos que os prussianos. Ah, que belas paisagens e lugarejos! Em especial me impressiona grande cidade de Lüttich. Desta passamos à Mechelen e à tardinha (às 7 horas) chegamos à An­tuérpia. Ali fomos conduzidos à hospedaria "Ao alemão Miguel", e muito bem acomodados.

Não vimos nossa mudança até sábado ao meio-dia, quando fo­mos chamados ao porto para verificar, no momento da colocação da mesma num depósito, se estava toda em ordem.

Nosso navio também estava lá e os carpinteiros trabalhavam na arrumação dos pertences dos emigrantes.

Na terça-feira, 10 de maio, nossos pertences devem ser embarcados e no dia seguinte devemos zarpar.

O agente de imigração tem sido muito atencioso e constante, para que nada nos falte em acomodação e alimento; ninguém pode se queixar. Das refeições, o que sobra fica para as crianças nos intervalos, e apesar do seu bom apetite, não dão conta de tudo.

Domingo tivemos serviço religioso em alemão em que o celebrante após a prédica dirigiu-nos uma palavra especial preparando-nos para as vicissitudes de travessia marítima e pedindo para nós as bênçãos do Alto.

Embora não sendo alemães, as pessoas são muito modestas e amáveis. Chama atenção aqui a bela Catedral com o magnífico carrilhão no alto da torre, que a todo momento enche os ares com música. Bem assim a "Galeria de Vidro" no "Kalvarienberg".

Aconselho aqueles que queiram emigrar a que troquem todo seu dinheiro prussiano em Koblença ou em Colônia, pois segundo se comenta, no Brasil o táler prussiano vale apenas 25 tostões. Em Koblença faz-se o câmbio sem perdas, mas na Bélgica o táler prussiano é trocado por apenas 28 tostões de prata, e a moeda de cobre é muito desvalorizada; apenas as táleres da Francônia valem, e aí é tudo por francos e centavos.

Igual, não se deve trazer armas da terra natal, pois aqui se encontram bem mais baratas e novas. Baldes e panelas aqui também se encontram mais práticos e baratos.

Passamos 23 vezes por túneis ferroviários sob montanhas.

Antuérpia parece-me uma cidade muito católica e devota. Vemos aqui poucos militares, mas muitos clérigos e serviços religiosos .

Mas o judeu Straus, para quem o agente Leroi nos contratou, procurou de todas as formas nos lograr: tivemos que pagar 5,5 francos para cada passaporte visado. Além disso, teve que nos remeter duas a três vezes suplemento de provisão (de boca).

Nossa partida de Antuérpia ocorreu apenas a nove de maio, quando embarcamos. Ainda um dia ficamos no porto em vista de providências médicas e policiais em relação a provisões e passaportes. Em 10 de maio, perto de 40 horas, partimos. Recebemos a bordo ainda 18 flamengos, que nos pareceram tipos suspeitos. E nos deram trabalho já de saída, roubando de nós alemães duas panelas. Antes, entre três deitávamos numa armação de cama, agora precisamos ficar entre quatro. Eu tive sorte - ia á meia nau onde estava sempre claro, pois era a entrada para a entrecoberta; do contrário não havia qualquer janela em todo o dormitório. Ali também me aborrecia menos o balanço do navio.

Ao início da viagem, tivemos dias bonitos, contrastando com os que precederam, frios e chuvosos. A onze de maio através do golfo de “Schelde” passamos ao mar do Norte. No dia seguinte perdemos de vista a terra. Nos locais perigosos do mar se apresentavam grandes bóias pintadas de branco, para serem vistas de longe. Os navios buzinavam constantemente e à noite se iluminavam.

Domingo dia 14 de maio vimos terra novamente, era a Inglaterra, com suas rochas esbranquiçadas a erguer-se das ondas. Deixamos a Inglaterra à nossa direita; contei 65 navios, próximos e distantes no canal Inglês (Canal da Mancha).

Em 15 de maio, com o mar agitado, veio o enjôo em grande proporção! Só víamos gente tonta, nauseada, quase todos vomitando. No dia seguinte também vomitei, da náusea que me provocaram os companheiros. Para tanto me havia arranjado, pois no mais passei bem, e atribuo este fato principalmente a ter seguido conselho do Capitão e de um médico em Antuérpia - fazer jejum e tomar sal amargo (um laxativo) antes da viagem, e repetir o remédio mais uma vez no 2º dia no mar. Os demais acreditavam resistir ao enjôo, mas os mais fortes eram os mais atingidos. Minha mulher ficou com enjôo por 8 dias e nosso Heinrich, por onze. As crianças menores foram poupadas, especialmente a nossa Maria. Quando o navio oscilava de tal forma que ninguém conseguia andar nem ficar de pé, ela corria pelo navio como uma galinha carijó e ria satisfeita, alegrando a todos.

Tínhamos vento favorável e o navio andava rápido; segundo o capitão, a cada hora percorríamos nove milhas inglesas.

A 25 de maio passamos pela esplendorosa ilha da Madeira que se ergue alto sobre o mar. Nestes montes se cultivam as melhores videiras. Esta ilha se situa no trópico do sul; lá eu vi, direto sobre mim, no firmamento, a constelação da Ursa Maior. No dia seguinte, o pôr do sol foi majestoso, e a lua surgiu logo após. Especialmente notáveis eram a aurora e o crepúsculo quando os raios de luz se projetavam sobre o mar azul encapelado e então pareciam mergulhar nele. Dava também grande prazer nas noites calmas contemplar o céu estrelado. Mais do que nunca, aqui a criatura sente a grandeza da Criação e a magnificência do Cria­dor; e sente a alma elevar-se das trivialidades da vida humana as alturas de Deus todo poderoso.

Especialmente belas eram as ondas cintilantes na noite. Com faíscas douradas e prateadas, enquanto o navio singrava as vagas com a rapidez de uma seta. Sempre mais nosso barco era rodeado de peixes e gaivotas. O pessoal da tripulação muitas vezes procurava capturar peixes com arpões e os içar a bordo. Porém como freqüentemente pesavam mais de 100 quilos voltavam a cair na água. Também peixes com 4 asas voavam sobre o navio, e recebi do capitão uma asa de presente. Também próximo da Madeira vimos grandes baleias que jorravam água como se fosse um arco-íris.

A 29 de maio o sol estava a pino sobre nós, a 4 de junho (Pentecostes) às 7 horas da noite, uma após o ocaso, estava a lua em seu primeiro quarto no ápice do firmamento. A 12 de junho sem grandes calores, ultrapassamos o equador - não sentimos tanto calor quanto em casa, no alto do verão. Não vimos molhar o navio, como se comentava entre nós, pois estávamos quase sempre na coberta.

No dia seguinte aconteceu o "batismo do mar": primeiro, os tripulantes formavam um cordão carnavalesco e diziam disparates ameaçando-nos de nos jogar sobre o convés. Chamavam-se uns aos outros aos gritos, jogando água sobre a cabeça de alguns ou untando o rosto com uma faixa de óleo malcheiroso, ou mergulhando num tonel cheio d’água para depois perguntar pela idade - ao que a "vítima", logo que abria a boca para responder, recebia um jato de água do mar. Com as mulheres e crianças as brincadeiras foram mais leves. Os doentes foram deixados em paz - e por esta razão me declarei doente.

No dia 14 de junho tivemos uma tempestade (não das violentas) com o mar encapelado e com grandes ondas mas não "altas co­mo montes", conforme falávamos em casa. Ao invés, as ondas mediam de 12 a 15 pés. Muitas vezes as ondas quebravam sobre o na­vio, mas não víamos perigo. Ríamos, isso sim, dos que ficavam ensopados. Três dias depois quebrou-se o mastro superior. Nosso navio, velho e pequeno, tinha o comprimento de 120 pés e a largura de 24 pés, sendo de 20 o calado.

O capitão, que fazia sua primeira viagem, chamava-se Schmit; era um jovem de 29 anos que falava alemão, bem como seu timoneiro. Os marinheiros eram gentis e bem-humorados.

A 26 de junho as 3 horas vimos à distância, pela primeira vez terras brasileiras. O dia seguinte foi de calmaria até às 3 horas, então levantava-se bom vento e nosso navio entrou com rapidez no porto do Rio de Janeiro.

Ah! que alegria para um amante da natureza contemplar a magnífica paisagem! Um promontório com o formato de um pão de açúcar deleita o olhar. Ao entrar no porto o capitão deu um sinal. De todas as embarcações e fortalezas ressoou uma trovoada de tiros de canhão. Entre os passageiros vibraram o júbilo e a gratidão, entoando logo "nós te exaltamos grande Senhor". Uma cena comovente, que me levou as lágrimas. (Deus eterno a vos louvar!)

Na manhã seguinte veio a nós um enviado do governo que nos recebeu e vistoriou. A ele tivemos que dar nossos passaportes. Oito dias ficamos ainda a bordo, com licença para passeio diariamente à cidade.

O Rio de Janeiro é uma grande cidade com 300.000 habitantes, dos quais 80.000 são negros e 5.000 alemães. É uma magnífica metrópole, que em requinte nada deve à Europa.

Especialmente as igrejas superam em ornamentos e beleza, assim como em riqueza, templos europeus. Apesar disso, reina pouca religiosidade, pois se trabalha aos domingos quase tanto quanto nos dias úteis.

A quatro de julho estivemos na cidadezinha de Praia Grande (defronte ao Rio de Janeiro), onde trabalhamos para abrir caminho num bosque, que em pleno inverno estava cheio de vegetação verdejante.

Não encontramos nenhum tipo de madeira semelhante às que nos eram familiares, mas outras como laranjeiras, pimenteiras,figueiras e bananeiras, que de modo selvagem ou cultivado produzem frutos muito melhores e mais deliciosos do que temos na Europa.

A 5 de julho enquanto trabalhávamos, recebemos mantimentos: pela manhã e à noite café forte, tão adoçado que não o conseguíamos tomar puro, por isso acrescentávamos um pedaço de pão bran­co. Ao meio-dia tivemos feijão preto, que não se mostrou indigesto como o nosso de casa, mas antes um alimento leve e nutritivo, e com ele arroz e carne de gado, além da assim chamada farinha de mandioca, que a gente mistura com o feijão e o restante se pode usar para cuca, mingau e sopa. Pode-se também mergulhar a carne nesta farinha.

A refeição do meio-dia foi tão abundante que à noite e na manhã seguinte ainda tínhamos carne para comer.

Cada pessoa recebia também diariamente três laranjas. Em nossa partida ainda foi entregue parte da refeição entregue por um táler e fiquei com um troco.

Diariamente recebíamos os adultos, 16 tostões e as crianças, como o meu Viktor, 12 tostões de salário, e esta é a menor remuneração por jornada. A paga normal ao dia é de l milréis; um artífice ganha 2 a 3 milréis. A alimentação nos debitam ao dia 6,5 tostões, sendo que a mais simples refeição não sai por menos de l milréis.

Em 18 de julho nasceu-nos uma garotinha, que batizamos com o nome de Maria Francisca. Como padrinhos convidamos Hekirich Wilges e Barbara Melchiors.

A 22 de julho de 1854 durante nossa viagem para o Rio Grande do Sul, chegamos na costa de Santa Catarina, onde descansamos por um dia. Na noite de 23, ao retomarmos a viagem, tivemos mau tempo: os ventos rugiram, o mar bramia com ondas cada vez mais alteando-se sobre o navio. Às oito horas a violência das ondas partiu uma escotilha. A água entrou em grandes jatos, todos nos molhamos e tivemos que nadar. O enjôo voltou a se sentir, todos vomitando, tiritando e tremendo, com o pavor de que a todo instante o navio se destroçasse, pois muitos rochedos eram visíveis. Aqueles que ainda se podiam manter eretos prostravam-se de joelhos e rezavam. Minha mulher gemia com dores abdominais.

Sobre minha esposa e as crianças, bem como as demais famílias, infiltrou-se a água por todos os lados, e nenhuma resistência a mais tínhamos a opor.

Os outros, que estavam no convés precisavam (molhados e transidos de frio, mais ou menos) refugiar-se no interior da embarcação. Não fosse um grande vapor (mais ou menos do dobro do nosso veleiro), e teríamos corrido um perigo bem maior. E nesse ritmo correu toda a noite. Na manhã seguinte entramos em uma baía onde o vento acalmou. Alí ficamos neste dia, para nos recuperarmos e para secar as roupas pessoais e de cama.

Na manhã de 25 de julho retomamos a viagem, pois a tempestade havia amainado. Dois dias depois estávamos na entrada do porto do Rio Grande. Ali tivemos que esperar por mais um dia pois a profundidade do canal não era suficiente - a água do mar havia sido impelida pelo vento para longe dos bancos de areia. No dia seguinte, com a ajuda de um outro capor entramos no canal do Rio Grande em cujo porto dia 28 passamos a outra embarcação, e nos dirigimos a Porto Alegre, chegando nesta a 29 de julho.

Até cinco de agosto ficamos nesta cidade, partindo então para Rio Pardo a bordo de um vapor fluvial, chegando a nosso destino a seis de agosto, ao meio-dia.

Em Rio Pardo, ficamos até 28 de agosto e alí fomos levados em carros de boi até o chamado "Fachinal". Daí seguimos sozinhos com nossos fardos morro acima onde em Paredão as terras não estavam ainda destinadas. O lugar pareceu-nos muito montanhoso, sem ter onde vender ou onde comprar, onde também feras devoravam o gado e as pessoas ficavam muito afastadas uma das outras.

Aí ofereceu-se a nós a oportunidade de comprarmos uma gleba de terra nas vizinhanças, ainda entre as primeiras colônias junto a Santa Cruz.

Aproveitamos esta ocasião favorável, eu e minha família mas, a irmã Thereza Simonis Melchiors, viúva de Johann Melchiors, junto com os seus filhos: Simon Melchiors, Barbara Melchiors, Maria Anna Melchiors, Mathias Josef Melchiors, e ainda os senhores Maternus Haas que viria a se casar com minha sobrinha Barbara Melchiors, os amigos e vizinhos de Briedel, Schwengber, Arnt e P. Haut, e nos estabelecemos nestas paragens. O grupo todo da Comitiva era composto por vinte e sete pessoas entre adultos e crianças.

Fim do diário de viagem de Pedro Constantin Simonis.

quarta-feira

Geni.com - Genealogy for Web 2.0

Interesting "social" genealogy site, lets you build a tree and add relatives who can edit and complete their sides of your family tree using a Flash UI.

read more | digg story

segunda-feira

Terencio



A imagem do "Terêncio" é usada como divulgação do site www.paginadogaucho.com.br

Publicando por email

Fazendo um teste para ver como fica uma publicação por email


Criando um Blog

Como não poderia deixar de ser, acabo de aderir a idéia de ter um blog. E porque no Google? Me agrada as novidades que essa rapaziada sempre está disponibilizando.